SERÁ ISTO VERDADE? SÓ MESMO NO NOSSO POBRE FUTEBOL . . . .
UMA EQUIPA RECHEADA DE BOAS ATLETAS QUE FICA PELO CAMINHO, ASSIM O FUTEBOL FEMININO VAI EVOLUIR . . . . . ., MAS NÃO EM PORTUGAL . . . . .
Por onde começar? Talvez pelo fim. No dia em que a equipa de futebol feminino do Odivelas Futebol Clube acabou, as jogadoras, treinadores e directores sabiam tanto sobre o assunto como o Presidente da República.
É mais que conhecido – e já o tínhamos referido aqui várias vezes – que o Odivelas atravessa um processo de insolvência, fruto de dívidas acumuladas ao longo de vários anos e de dinheiro esquivo, daquele que desaparece mas ninguém sabe muito bem para onde. Pois então que, há uns meses, por ordem do tribunal, foi nomeado um administrador da insolvência que, por sua vez, recebeu o apoio de uma comissão de trabalho liderada por Luís Baptista, director da SAD do Odivelas.
Numa reunião que teve lugar no final de Junho, o administrador e a comissão informaram as várias modalidades do clube (exceptuando as do futebol masculino) que estas seriam encerradas, a não ser que (no caso do futebol feminino) apresentassem uma garantia bancária de 22 mil euros, que asseguraria ao banco que as despesas da época teriam cobertura. Ora o director do futebol feminino do Odivelas, José Carvalhais – que também era vice-presidente do clube -, fez questão de assinalar entre os seus pares que o futebol feminino não acabaria, nem que ele tivesse de pagar as despesas do seu bolso.
O gesto, ainda que bonito, de pouco valeu, visto que, a última vez que vi, as convicções ainda não pagam dívidas. Nas semanas seguintes, no entanto, talvez descansado pela prova de força que teria demonstrado nessa reunião, José Carvalhais ignorou (ou não recebeu, consoante as versões) os repetidos avisos para a apresentação da garantia bancária e foi, inclusive, de férias. Por esta altura, ainda jogadoras e técnicos do Odivelas dormiam descansados, sonhando com a disputa da I Divisão que ainda estaria para vir em Setembro.
À falta de respostas de José Carvalhais, a comissão e o administrador do Odivelas não estiveram com meias medidas e replicaram com um acto impiedoso: enviaram um fax à Federação Portuguesa de Futebol a informar a entidade da desistência da equipa de futebol feminino do Odivelas. Estima-se que, àquelas horas, as jogadoras e técnicos do Odivelas estivessem na praia a gozar o Verão ou então a sonhar com a época que se avizinhava. Uma dessas. Tomada esta acção drástica, estava terminado o futebol feminino do Odivelas Futebol Clube, campeão da II Divisão Nacional na época anterior.
Alguns dias depois, mais coisa menos coisa, começaram a chegar rumores (mas de fora do Odivelas, atenção) a técnicos e jogadoras informando-os do seu destino trágico. Incrédulos, todos começaram a tentar confirmar o feito. E confirmaram-no. E ficaram incrédulos novamente. Ligaram a José Carvalhais, que balbuciou meia dúzia de tretas, sem tirar nem pôr. Ligaram a Luís Baptista, que lhes explicou que a comissão não tinha tido escolha perante a imperturbabilidade de José Carvalhais, mas que se as jogadoras e técnicos ainda conseguissem arranjar uma garantia bancária de 22 mil euros (que, mais tarde, se viria a transformar num adiantamento de “apenas” 10 mil euros, podendo o restante montante ser pago na segunda metade da época), a comissão teria muito gosto em voltar a informar a Federação da não-desistência do Odivelas.
No entanto, a FPF, pouco ralada com cogitações odivelescas (quiçá mais preocupada com os 2.5 milhões de euros que o presidente Gilberto Madaíl enterrou em negócios pouco claros ou talvez com a previsível não-qualificação da selecção AA para o campeonato do mundo ou ainda com os quatro-anos-quatro com que vão ter de levar com o Carlos Queirós), pegou na “vaga” deixada pelo Odivelas e ofereceu-a de bandeja à Casa Povo Martim, que na época passada não se conseguiu qualificar para a I Divisão, ficando em último lugar. Não se fazendo rogado, naturalmente, o clube de Barcelos apressou-se a aceitar tão generosa oferta, não se fosse dar o caso de estarem a sonhar e serem beliscados e acordarem.
Pelo menos foi isso que a FPF, no caso representada pelo sr. João Leal (do departamento jurídico), disse às jogadoras do Odivelas que se deslocaram à sede procurando resolver este imbróglio. No entanto, João Leal mentiu – vou repetir – mentiu descaradamente ao dizer aquilo, visto que o ofício da FPF, enviado por fax à Associação de Futebol de Braga, a informar que o Odivelas iria acabar e a vaga passaria para o Casa Povo Martim, apenas chegou ao clube no dia SEGUINTE à conversa em questão e, ainda para mais, a data constante no papel era desse dia seguinte, não havendo qualquer hipótese, portanto, do Casa Povo Martim ter aceite a vaga do Odivelas antes da tal conversa com o sr. João Leal. E porque mentiu João Leal, perguntam vós? Pois, realmente não sabemos. Não é coisa que beneficie ninguém, portanto… terá sido uma atitude de “deixa-me cá não me chatear mais com esta me… coisa?” Se calhar.
Entretanto, as valentes… valentes quê?-teimosas-persistentes-ou apenas idiotas jogadoras do Odivelas já tinham tentado obter, em meia dúzia de dias, pelo menos 10 mil euros para continuarem a jogar futebol no seu clube. Bateram à porta de Fernando Piedade (Classemaq), patrocinador que na época passada as tinha ajudado, e de Arnaldo Dias, conhecido empresário de Odivelas que, em tempos, também já havia patrocinado a equipa. Manifestações de boa vontade foram a rodos, mas todos sabemos que de boas intenções está o inferno cheio, ou seja, dinheiro nem cheirá-lo, quanto mais vê-lo.
Perante a falta de soluções financeiras, equacionaram-se também outras medidas. Criar uma nova equipa, noutro clube, e “ceder” os direitos de participação do Odivelas ao dito clube, para que jogássemos onde merecemos: na I Divisão Nacional. Houve conversações com equipas interessadas mas, infelizmente, os contactos exploratórios com a FPF mataram-nos a ilusão, visto que os responsáveis federativos apenas concedem que as cedências de direitos existam no futsal.
Por fim, chegou-se ao pior mas, também, mais provável: a criação de uma nova equipa que começaria… na II Divisão. Ou seja, fazer tudo outra vez (giro, não é?). Falou-se com as equipas X e Y, mas havia outro problema: as inscrições de equipas para a II Divisão fecham esta semana, precisamente a 31 de Julho. Quer dizer, isto se acreditarmos na FPF, visto que as inscrições se processam na Associação de Futebol de Lisboa e, lá, dizem que as inscrições só terminam a 4 de Agosto. Voltar a confirmar esta informação na FPF é mais difícil do que encontrar uma agulha num palheiro, visto que a pessoa A tanto diz que “o prazo é 31 de Julho” como a pessoa B diz “quem decide esse tipo de situações é a associação na qual se vão inscrever, falem com eles.” Este jogo de ping-pong é giro e dá vontade de rir, mas não é muito útil a quem quer ser bem informado.
Sem apoios, sem interesse e sem equipa, as (ex) jogadoras e (ex) técnicos do Odivelas renderam-se à sua condição trágica de novos desempregados e deram por terminada a sua participação no futebol feminino português em 2009/2010, quando a mesma ainda nem se tinha iniciado. Para já, sem clube, nem na I nem na II nem em lado nenhum.
Estão assim fora do futebol feminino português 25 jogadoras cheias de potencial e três técnicos (Helena Costa, Edgar Cardoso e Tiago Viegas) que vão granjeando fãs pelo seu trabalho nas escolas de formação do S. L. Benfica e que formaram em 2008/2009 uma equipa que foi campeã nacional da II Divisão e teve o inimitável feito de bater o crónico campeão (há 8 anos) 1.º Dezembro na Taça de Portugal. E são estas as memórias vãs, e ao mesmo tempo promissoras, que ficarão de uma equipa que, admita-se sem pejo nem falsas modéstias, veio animar o mundo do futebol feminino português, para o bem ou para o mal.
A crónica de uma morte nunca poderá deixar de ser triste, mas que seja, pelo menos, didáctica a quem por aqui anda. Já não é a primeira vez, nem será certamente a última, que uma equipa de futebol feminino portuguesa acaba. E depois, como querem que as nossas jogadoras não vão para Espanha, EUA ou Islândia? Como querem ter uma selecção que se qualifique para alguma coisa? Como querem que o futebol feminino cresça? Como querem seja o que for? A resposta é simples: não querem, ou, quiçá como sucedeu com José Carvalhais e João Leal, pouco se importam com coisas que dêem trabalho. No fundo, julgo que o problema é todo esse: ninguém se dá ao trabalho, ninguém quer saber, ninguém se interessa, ninguém se esforça, ninguém nada. E, no meio disto tudo, onde estão os nossos seleccionadores? Não tem nada a dizer? Um comunicado? Uma palavra que seja? Um ombro para chorar?
Não esperamos que compreendam, mas tentem imaginar, tentar sentir na pele o que é trabalhar durante um ano, a sangue e suor, para conquistar algo, depois conseguir fazê-lo, depois festejá-lo e depois… vê-lo ser-nos tirado assim, sem mais nem menos. Frustradas, impotentes, desiludidas, desmotivadas e tristes, é assim que ficamos.
Com muita pena, é isto o fim. A pequena contribuição mediática deste blogue termina também hoje, aqui e agora, tal como todos os projectos que entretanto havíamos iniciado. Obrigada a todos os que contribuíram para as quase 150 mil visitas que tivemos, obrigada aos que ajudaram a formar os 1391 comentários e obrigada pelas 17 mil visualizações dos nossos 43 vídeos no Youtube. O resto fica como herança de algo que não chegou a ser. Aos companheiros de blogues, CPM, Cadima e 1.º Dezembro, continuem com o vosso esforço e vão publicitando o futebol feminino tão bem como têm feito. Às equipas que continuarão com esta saga de carolas, um bem-haja e façam bom proveito da época. E nunca se esqueçam de olhar sempre por cima do ombro, porque hoje em dia… não se pode confiar em ninguém.
Às jogadoras do Odivelas, orgulhem-se de tudo o que atingiram com muito esforço e dedicação. À equipa técnica e, especificamente, à melhor treinadora com quem já tive o imenso prazer de trabalhar (e aprender), a melhor sorte do mundo para todos projectos e esperemos voltar a cruzar-nos.
Até qualquer dia.
Mariana Cabral
in http://odivelas.wordpress.com
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